quarta-feira, 26 de março de 2008

Estorias Reais Imaginadas

O HOMEM QUE OUVIU UMA MÚSICA (IN)DESEJADA

O António teve de parar o carro na berma da estrada para se recompor. 18:30. A habitual viagem de regresso a casa, após mais um dia de trabalho, decorria com normalidade, mais trânsito menos trânsito. Mas o rádio começa a transmitir a nova música da sua banda favorita. O António nem queria crer. Aqueles acordes, aquela melodia, aquela letra…Tudo o que ele sempre quis que aquela banda fizesse. Tudo o que ele pediu. Eles fizeram.Há dois anos o António perdeu o amor da sua vida, a Maria. O longo e intenso romance que os dois viveram terminou, sem que ele percebesse porquê. A Maria deu-lhe “a notícia” na esplanada do café onde se encontravam todos os dias. Apesar do choque, conseguiu perceber algumas das frases que ela disse: “mudei”; “as coisas já não são iguais”; “a culpa não é tua, mas minha”; “acho que já não te amo”; “mereces mais do que aquilo que te posso dar”. Depois a Maria levantou-se e foi-se embora, a chorar. O António não disse nada, nem correu atrás dela. Acabou de comer o croissant com fiambre, pegou nos cacos do seu coração, guardou-os no bolso e foi para casa.Os meses seguintes foram os piores da sua vida. Regava o desespero com álcool e amaldiçoava o sol. Porque só vinham dias de sol, todos os dias, quando o que ele precisava era de dias cinzentos, de chuva, que se enquadrassem com o seu estado de espírito? Dias de trovoada e chuva, como naqueles “vídeo-clips” pirosos dos anos 80, de baladas igualmente pirosas sobre amores perdidos. Mas não. O António teve de carpir as mágoas com sol e calor.Apesar de ter optado pela forma estóica e orgulhosa de sofrer acabou por ter duas recaídas. Na primeira tentou ligar à Maria, mas o número do telemóvel já “não estava atribuído”. Ela mudou de número. “Cabra”. A segunda foi muito mais desesperada e ridícula.O António e a Maria tinham uma banda preferida. Conheceram-se a falar dela, dançaram ao som dela. Toda a relação com aquela banda-sonora. O António decidiu ir ao site deles para enviar um longo e-mail a pedir/exigir que escrevessem uma música. Uma música que fizesse a Maria voltar para ele. Relatava toda a relação. Como começou, como foi e como acabou. “Eu, António, ainda amo a Maria e quero que vocês me ajudem a recuperá-la”. Basicamente.Ele tinha noção da parvoíce que estava a fazer mas a culpa era tanto dele como da garrafa de gin que bebeu nessa noite. Enviou-o.O dia seguinte trouxe sol (claro) e um enorme sentimento de vergonha. O António só esperava que a sua banda preferida nunca lesse aquele e-mail! Tinham, com, certeza, alguém para ler aquelas coisas por eles, pensou. Mais uma mensagem de um fã para ignorar…Começou ali a sua recuperação, apercebendo-se do ridículo a que tinha chegado. “Ela não merece”. Vamos em frente”. “A vida continua”. Aos poucos voltou a sorrir, a conviver, a viver. Os dias de sol voltaram a ser bonitos e conheceu a Patrícia. Gostava dela, ainda não sabia se muito, se pouco. Estava feliz outra vez.Até às 18:30 desta tarde. A sua banda favorita lançou um novo single. Para o comum dos mortais, só mais uma música. Para ele não. A letra contém vários episódios contados por ele no e-mail e um refrão que apela a que uma tal de “Maria” “acorde para o sonho de um grande amor / que não se pode perder” (sic).“Agora? Quase dois anos depois vêm estes cabr%&$ reavivar fantasmas mortos e enterrados. E se ela ouve isto? Ela adora-os, claro que vai ouvir!”, berrou o António enquanto esmurrava violentamente o volante do seu carro. Acrescentou uns “palhaços!” e “filhos disto-e-daquilo” para adjectivar a sua banda predilecta, enquanto se fazia de novo à estrada.Estava já em casa a beber um gin tónico, para acalmar enquanto fazia o jantar, quando o telemóvel tocou. Número desconhecido. Atendeu a medo.Era a Maria.Continuava a ter uma voz doce, que o envolvia. Que o fazia sorrir.
Palhaços…


Escrito por João Rocha

sexta-feira, 21 de março de 2008

O homem que não queria ser herói – Parte II

EP 10

Estava sentado a mesa da sala, uma mesa comprida de carvalho, devia ter mais de três metros de cumprimento e de largura, era uma mesa imponente e assustadora, como todo o simbolismo histórico que acarretava.
O pai de Chirigumi contava sem fim que aquela eram a mesa que havia salvo o Hitler de uma morte precoce, e que tinha sido uma perna daquela mesa de madeira forte que havia feito com que o atentado falhasse e que toda a grande guerra se desenrolasse.
Era uma historia mórbida e um tanto o quanto estranha, mas entre todo aquele conceito, o que fazia Chirigumi ficar vidrado no seu pai Misaki era a forma como ele falava de toda a historia desde os primórdio do Chanceler até ao fim da guerra, passando uma ou duas vezes pela história da mesa, e aí até parecia que ele lá havia estado, Chirigumi eram levando pela magia que os olhos pretos brilhantes do pai reflectiam, e pela expressão de emoção que se via nitidamente naquela cara típica oriental de Misaki, que só as diferenças de idades fariam as feições diferirem das de Chirigumi de tão parecidos que eram. A mãe era uma moça linda e nova, quase se apresentava irmã de Chirigumi, trazia sempre vestidos compridos lisos, ora vermelhos ora verdes, de quando em vez um bege mas as cores vivas ficavam melhor na sua cara pálida, e com o seu longo cabelo preto. Miuki fitava Misaki com o mesmo olhar interessado de Chirigumi e deixava-se levar por palavras repetidamente sábias, como se fosse um filme.
O resto da mesa conversava sobre o futebol ocidental e sobre a ida de David Beckham a cidade, falavam dos dias e do tempo e do futuro de cada um deles, e claro do brilhante futuro que Chirigumi teria a sua frente, aqui a sua namorada Yu e o seu irmão Omotato ficavam simplesmente babados. Omotato era uma mistura de pai e mãe, tinha as feições da mãe e os olhos castanhos cor de amêndoa da mãe, mas o cabelo e talvez o nariz fosse do pai. Yu era linda, super parecida com a Miuki, o mesmo cabelo longo e preto, a mesma cara pálida, e os mesmos olhos castanhos cor de mel. O sorriso de Yu aberto e genuíno é que a diferenciava de tudo e todos a sua volta e Chirigumi deleitava-se com tal beleza.
Yu era uma modelo de renome em Tokyo, mas quando lhe perguntava quem ela mais admirava a resposta era pronta, o meu namorado Chirigumi.
A amena cavaqueira prolongava-se por toda a noite, e era todas as noites assim, e mal saiu da mesa as picardias entre Chirigumi e Omotato o seu irmãozinho mais novo não se faziam esperam e todos se riam. Chirigumi tinha toda a felicidade do mundo, e todo a felicidade do mundo é um grande fardo para um homem só.